quinta-feira, 7 de agosto de 2008

a saga de jorge (completa)

Jorge chega no bar. Aparentava apreensão. – Uma cerveja, por favor. Muito educado. Num era dalí. Sentou, olhou ao redor. Parecia estar esperando alguém. Suava. Entra no bar um grupo, três pessoas, uma delas com arma em punho. – O de sempre, grita. Dona Gígia serve um rabo de galo, feito especialmente pro Muralha, que comandava a região. Chegou no balcão, bebeu, - Mais um! – Fica com a garrafa e fica à vontade, falou dona Gígia. Os dois que o acompanhavam não beberam nada. Na verdade, quem acompanhava Muralha nunca bebia. Era ordem, lei, estipulada por ele. Pra se sentir sempre seguro, precisava de dois homens sóbrios ao seu lado. Isso porque ele bebia sempre. Seu café da manhã era sempre na bar da Xuxa (só bebia em bar que a dona era mulher, a exceção era o bar da Xuxa, que era uma travesti), uma latinha de fanta laranja com uma dose de vodca. Xuxa começou a comprar fanta por causa dele, porque antes não tinha muita saída. Agora não pode faltar.

Era quatro da tarde. Jorge logo que viu Muralha se assustou ainda mais. Nunca tinha visto uma arma ao vivo, só em filmes, que gostava muito de assistir. Na verdade era fã de Charles Bronson e Chuk Norris. Vivia se imaginando nos filmes, sonhava em ser como os protagonistas, mas na vida real. Sempre foi medroso. Isso começou a mudar quando Lucélia apareceu na sua frente a primeira vez. Ela vendia cachorro-quente em Copacabana e ele, depois de correr por dois quilômetros no calçadão da praia, bebia uma água de coco num quiosque. Sentado. Ela estava próxima a sua mesa. Até hoje eles não sabem quem olhou primeiro, mas flertaram, isso era certo. Ele tinha seus 32 anos, ela uns 22. Ele nunca teve coragem de se aproximar de uma mulher, a não ser quando encontrava-se bêbado. Inseguro. Ela não. Tinha 10 anos a menos mas já alguma experiência com homens. Sexo era uma coisa natural, que praticava desde os 15 anos, quando conheceu seu primeiro namorado. Ele, nunca teve uma relação duradoura.

Era cinco de agosto de 2008, uma quinta-feira. Pela primeira vez ele sentia uma coisa dentro do peito, uma ardência, os batimentos cardíacos aumentaram. Suava. Não sabia o que fazer, mas não podia perder a oportunidade de falar com ela. Estava de dieta, evitando alimentos gordurosos. Corria todas as noites, tomava uma água de coco, e ia pra casa. Comia no máximo uma maçã antes de deitar. Nesse dia, a única coisa que conseguiu pensar para se aproximar de Lucélia foi pedir um cachorro-quente. Já era muito, pra quem nunca teve coragem pra tomar qualquer tipo de iniciativa. Comeu um, em silêncio. Ela olhava pra ele, sorria, mas também não falou nada. Por fim, ele fala. - Quanto é? – Dois reais, respondeu. Ele ia pagando, mas pediu mais um. Nem estava com fome. Lucélia parece ter percebido, mas só teve certeza quando Jorge, após acabar o segundo, pediu um terceiro pra viagem.

– Completo?, ela perguntou – Não, também sem passas. Eu não gosto de passas. – Ah, mas esse é pra você também? Pensei que ia levar pra sua esposa. – É, hun... Eu não sou... é ... casado. – Sei, bonitão desse jeito e não tem ninguém? Me engana! Jorge tremeu. Ia saindo. – Ou, dá seis reais!! Ele se desculpa, continua sem saber o que dizer. Pega o dinheiro, passa pra Lucélia, e diz, de bate-pronto, sem pensar muito, Você é linda, olhando no olho dela, coisa que ele nunca tinha feito antes, olhar no olho de uma mulher. Ela sorriu. – Assim num vou nem cobrar o cachorro... Num precisava de mais nada, ela tinha dado o sinal verde, mas era o Jorge. Com ele não seria fácil.

Tentou pensar rápido, em alguma frase que houvesse escutado ou do Charles ou do Chuck para alguma mulher em algum filme. Não vinha nada à mente. Chegou a pensar em uma frase de Era Uma Vez no Oeste, com Bronson. Mas não tinha nada a ver com o momento. Coisa de dois minutos em silêncio. Mas Jorge estava mudando. – Você vem sempre aqui? Já era alguma coisa, vindo dele. – Todo dia. Vem me ver aqui amanhã. – Claro, claro.. Vou vir. – Então até amanhã. – Até.

Não dormiu. Chegou em casa com ela na cabeça. Não sabia nem o seu nome. Tomou um banho e desceu. Duas doses de tequila, uns quatro chopes, e foi até a praia. Ela não estava mais lá. Parou num quiosque, bebeu até umas três da manhã. Foi pra casa. Apagou. Acordou pensando nela. Coisas de Jorge. Não foi trabalhar. Levantou mesmo uma da tarde. Foi pra praia, ficou esperando e pensando o que falaria. Umas cinco da tarde, sem que ela chegasse, foi pra casa. Tomou um banho, tomou umas cervejas. Sete da noite desceu, horário do encontro do dia anterior.

Ela estava lá, com um sorriso no rosto. Logo que a viu, ele parou do outro lado da rua. Ficou olhando. Não passava nada em sua cabeça pra dizer a ela. Deu meia volta, parou no Panamá, tomou uma dose de cachaça e uma cerveja. Saiu. Voltou no Panamá e pediu uma bala halls. Não queria chegar com cheiro de bebida. Pudor de Jorge. Foi até a praia, não a viu mais. Mas o carrinho do cachorro-quente estava lá. Parou ao lado, um homem chega perto. – Vai um cachorrão? – Não, não, quer dizer... – Tá procurando a Lú? – Lú? – É, a menina do cachorro? – É. Queria falar com ela... – Ela tá vindo aí já, foi no banheiro ali.

Ela chega. – Pensei que não viria hoje. – Não, eu vim. – Tô vendo. Bebeu né? Adoro homem com cheiro de bebida, falou se aproximando dele. – Não vai me chamar pra dar uma volta? – Mas e a barraquinha de cachorro-quen... – Ssshi, colocando o dedo na boca dele. – Você mora por aqui? Vamos pra sua casa. – Va... vamos...

Jorge chegou a pensar que ela era decidida demais, que não deveria ser assim. Compostura em excesso de Jorge. Entraram, ela sempre tomando a iniciativa. Fizeram o que ela quis, do jeito que ela quis. Ele não falou uma palavra. Se sentia o homem mais feliz do mundo. Isso nunca tinha acontecido com ele. Conversam, ela muito mais do que ele. Fala que mora em Ramos, num lugar chamado Nova Brasília. Ele não conhece. Nem se preocupa em conhecer. Estava feliz como estava. Leve. Dormem.

Ele levanta e vê apenas um bilhete. Como nos filmes (a pessoa levanta antes, faz o que tem que fazer e o outro só acorda depois que o outro já saiu). “Tirei na sua carteira o que ficou me devendo. Querendo de novo, sabe onde me encontrar”. Primeiro não entendeu. Ingenuidade de Jorge. Depois ficou puto. Não acreditava. Ele estava apaixonado, e acreditava que ela também estava. Não dava pra entender.

Mais um dia sem trabalhar. Jorge trabalhava (pelo menos por enquanto. Se continuar sem trabalhar até o final do texto vai ser demitido) em uma agência de publicidade. Na área de criação, por mais estranho que possa parecer. Era um cara inteligente, tinha boas idéias, desenhava bem, escrevia bem, só não sabia falar. Ele criava praticamente sozinho na agência, mas sua dupla de criação que apresentava as propostas publicamente. Ele era péssimo pra argumentar suas idéias. Luiz adorava. Seu trabalho era apenas apresentar as idéias, e na maioria das vezes aparecia como quem tivesse tido a idéia. Não que Luiz fosse mau-caráter. Mas também não fazia nenhum sacrifício para os bônus serem depositados em Jorge. Mas não foi ao trabalho pelo segundo dia consecutivo. Não tinha cabeça para isso.

Tomou um banho. Xingou a Lú, que mesmo conversando, esqueceu de perguntar seu nome completo. E talvez se perguntasse, ela inventaria um nome artístico. Luciana, Lucineide, Luciete, “Lú de cú é rola”, pensou. Xingou mais, quando no final do banho viu o ralo cheio de cabelo. Ele, quase careca, não era o dono daquilo. Saiu do banho. Não sabia o que fazer. Se ia na praia encontrá-la – era o que mais queria, apesar da raiva – ou se não fazia nada – como era de costume.

Decidiu ir para o bar. – Macarrão, desce um limão e uma cerveja. Hoje é dia de beber. – hoje é quarta seu Jorge, já cedo vai começar assim? Num vai um caldinho de feijão antes? Bebeu. De uma da tarde até umas seis. Já tocado pelo álcool, decidiu que iria à praia encontrar com Lú. “Ela não gosta de cheiro de cachaça?”, pensou. Estava irritado. Mais porque ela não estava apaixonada por ele como ele imaginava do que por qualquer outra coisa. Foi lá. Encontrou não ela, mas o mesmo cara da outra vez. – Ih, ela num vem aqui hoje não, parceiro. Falou pra te entregar esse papel, caso você viesse.

“Meu lindo, espero que não esteja com raiva de mim por ter saído sem me despedir de sua casa. Qualquer coisa me liga: 9669 6996. Sua princesinha”. “Filha da puta!”, “princesinha”... Foi direto pra casa. Amassou na frente do camarada do cachorro-quente o bilhete. Mas não jogou fora. Veio na palma da mão até o apartamento, quando o abriu novamente, ajeitou o mais que pôde, e leu umas oito vezes. Imaginava o dia anterior, como foi bom. Com telefone em mãos, discou umas 10, 20, 30 vezes. Não deixava completar, com medo.

Numa dessas de liga-desliga, o telefone toca. Mais porque ele se distraiu do que porque ele teve coragem. Ela logo atende. E logo desliga, depois de quatro “alô” e nenhuma resposta. Ele liga de novo. Ela atende, já meio puta. – Quem é?! – Princesa? (inocência de Jorge não imaginar que para todos, ele se chama princesa). – Oi, quem fala? – Seu príncipe (tolice de Jorge), fala Jorge, longe da criatividade que empregava em seu trabalho. – Jorge?, ela acerta. Coração dele bate mais forte. Ele cogita que ela pode gostar dele tanto quanto ele gosta dela. Coisa dele, como já perceberam.

Ele fica mudo ao telefone depois de confirmar que é ele mesmo. Passam-se alguns segundos, ela fala. – Hoje não vou poder ir aí, você queria me ver de novo? – É... – Olha só, eu estou perto de casa, aqui em Ramos, se você quiser, pode até vir aqui. – Claro, respondeu sem saber onde ela mora, mas pensando que ela estava, também, apaixonada por ele. – Você vem?, ela pergunta, surpresa. – Claro, claro, achando que era o que ela queria escutar.

Ela deu o endereço, ele anotou. Disse que em meia hora chegava. – Vem de avião, fofinho? Num é pertinho assim não. Antes de ir passou no Panamá e pegou três latinhas com Macarrão e virou duas doses de limão. Pegou um táxi. Disse o endereço e o taxista disse que não ia, que era muito perigoso e que só trabalhava na Zona Sul, no máximo Tijuca e Méier. Entrou num segundo. Esse disse que deixava perto, mas que provavelmente não chegava até o local. Então vamos, que tenho pressa em chegar, falou Jorge, já mais confiante do que nunca.

Estão na Avenida Itararé. O taxista pergunta para um policial da Força de Segurança Nacional, na entrada da Grota, no Alemão, onde fica Nova Brasília. O policial não responde. O taxista comenta com Jorge que a polícia é um problema. Começa a falar dos policiais que mataram uma criança na Tijuca. Jorge não escuta. No caminho já tinha contato vários casos de assaltos com ele e com amigos taxistas. Se Jorge estivesse prestando atenção, colocava aqui algumas histórias de taxistas, mas ele só pensava em Lú. Viram uma esquina. Jorge abaixa o vidro e pergunta sobre o local. Indicam que é a próxima à direita. – é no bar da dona Gígia, é só perguntar ali na frente que todo mundo conhece. Desce na entrada, que o táxi não entra. Paga a corrida e nem espera o troco. O taxista, malandro, fica quieto.

Entra na rua com comércio nas laterais. São oito da noite e o movimento é grande. Bares dos dois lados, um do lado do outro. Ele para em uma barraca de churrasquinho, pede uma cerveja e pergunta onde é o bar da Gígia. Segue até a entrada. Entra.

***

Muralha está calmo hoje. Segundo os moradores, quando ele pede apenas um rabo de galo, é que o ambiente está tranqüilo. Ruim fica quando ele desanda a tomar o caju amigo da Gígia. Toma uns doze seguidos e aí sai de baixo. Sempre arruma alguma treta, conta o paulista que mora na Brasília há sete anos. Sorte do Jorge que hoje ele está calmo.

Ele senta numa mesa próximo de Jorge, que começa a suar ainda mais. Jorge levanta e pede um rabo de galo também, que queria experimentar, que o negócio deve ser bom. – Num tem não meu senhor, rabo de galo só pro Muralha. Jorge treme. Muralha levanta (igual nos filmes também) e pergunta. – Quer tomar um gole camarada? Qual é sua graça? – Jorge. Mas tá tranqüilo, eu tomo outra parada, diz, cheio de gíria, tentando entrar no clima. – Não, toma aqui, gostei de você (além daqui, só em filme mesmo que isso acontece). Ele senta. Surpreendentemente, em poucos minutos ele está enturmado, riem na mesa. Ele e Muralha, que os que acompanham o chefe ficam sérios o tempo todo. Faz parte do contrato.

Estava tudo ótimo até ele falar do porque que estava ali, naquele dia, naquele horário. Ele contou poucos segundos antes de Lú entrar no ambiente. Falou justamente dela, que a estava namorando. Muralha primeiro riu, depois ficando sério, perguntou. – Está de zoação comigo porra?! – Como assim?, falou sem perder a coragem, coisa rara em Jorge. – Se quem você tá falando é quem eu estou pensando, você só sai daqui sem os culhões!

Entra Lú. Senta entre os dois. – Vocês já se conheceram? Muralha puxa ela pelo cabelo e pergunta quem é o viado! – Deixa eu explicar. É um amigo. – Amigo?, surpreende-se Jorge. – Eu vim aqui te buscar, pra gente ir lá pra casa – apesar de ter criado coragem, continuava ingênuo. – Jorge, você não entendeu nada..., disse Lú. – quem não está entendendo sou eu, porra!, gritou Muralha. Seus capangas já de pé, prontos para qualquer coisa.

(Lembram da frase que Jorge pensou de um filme de Charles Bronson, mas que não tinha nada a ver com o momento, para falar com a Lú? Então, agora seria o momento ideal – na cabeça dele)

Jorge se levanta e diz, com voz grave, que veio aqui para buscar Lú, e que ninguém o impediria. Lú, talvez pela convicção de Jorge, não resmunga nada dessa vez. Ele a puxa e ela fica ao lado dele. Muralha e os dois companheiros se agitam. Os três armados. Jorge lembra de Era Uma Vez no Oeste e lança a frase célebre de Bronson:

– Vocês trouxeram uma arma para mim?

– Acho que está faltando uma, fala o que estava à direita de Muralha.

– Não, na verdade acho que tem duas a mais, completa Jorge.

Todos se espantam. Diferente de como acontece no filme, que Charles Bronson mata os três e fica com os três cavalos (não eram armas, Jorge adaptou a fala), Lú sai correndo prum lado, Jorge pro outro. Nunca mais se viram. Jorge mudou de apartamento e evita correr à noite no calçadão, com medo de encontrar Lú. Mas ele ainda não a esqueceu.

5 comentários:

Anônimo disse...

era 7 de agosto de 2008?

entao o caso foi agora pouco, ou talvez esteja acontecendo nesse momento...rs

aguardo cenas do proximo capitulo...

Vitor Castro disse...

até meia noite a história acaba e estará completa aqui

Vitor Castro disse...

caro anônimo e todos que leram antes do complemento. a data foi alterada (em dois dias apenas), porque o texto pediu. Reclamações em relação a isso podem ser encaminhadas pro "atendimento ao cliente", que fica na barra ao lado.

Anônimo disse...

cajibrina, ficou uns 3 dias sem beber pra escrever o texto???
bem bom... num sabia que vc era frequentador de nova brasilia tbm!!

Anônimo disse...

como assim eles nunca mais se viram?

a historia tava otima, mas achei q vc tava com pressa e quis resolve a situação rapidamente e fez esse final sem graça.

Acho q vale uma continuação

bjs